sábado, 17 de dezembro de 2011

Pedido - Request

Me retiro da minha identidade para saber-me parte. Um filamento na asa do pássaro que sobrevoa o infinito, pedrinha que escorregou para o abismo, a primeira vez que o recém nascido enche os pulmões, e a última expiração de quem perdi, e de quem nem conheço. Amar é fazer o percurso do rio até onde ele se perdoa e deságua no oceano. Eu amo o som da água em movimento e você que me lê, atento, porque me retirei e sou tudo, e tudo é fonte interminável de expansão. Nos vejo impressos agora no limite da compreensão do universo, como tentativas e realizações, como planos e a concretização de planos. Quando olho à frente vejo a eternidade, e quando olho para trás, também. Me dê sua mão, estenda seu olhar, percorra além, perdoe-se por ir e por chegar. Enquanto somos nós, fazemos sombra. Mas como parte da luz nada nos detém ou conclui.

I withdraw from identity to know myself as part. A figment of the bird's wing that hovers infinity, the pebble that slipped into the abyss, the new-born's first breath, and the last time the ones I lost – and the ones I don't even know - breathed out. To love is to follow the river's course up to where it asks for forgiveness and disembogues into the ocean. I love the sound of the water moving - and you who read me, because I withdrew and I am all, and all is an endless source of expansion. I now see us stamped on the threshold of understanding the universe, as attempts and accomplishments, as plans now made concrete. When I look ahead I see eternity, and when I look back I see it too. Give me your hand, look further, walk beyond, forgive yourself for leaving, and for arriving. We project shadows for as long as we remain ourselves. But as part of light nothing keeps us nor causes us to cease.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

evolução * evolution

as formigas não dormem
nem eu
meu peito
apertado de passinhos iguais
todos os dias
indo e vindo
me lembro de quando vivia feliz
no duplex do formigueiro

***

ants don't sleep
me neither
my chest
in a lathe of tiny, repeated steps
everyday
coming and going
it reminds me of the times when I lived happily
in the ant hill's penthouse

domingo, 9 de outubro de 2011

expansão - expansion

eu não sou tudo que tenho. tenho também a ausência de mim, o silêncio do espaço sideral e os olhos fechados, quando enxergam que podem se fechar. além do que sou, sou a possibilidade de não me ser. e isso me permite certa paz, acabamento sutil para meus pensamentos, intervalos de meia luz sob a luz ou a escuridão intensa. poder não ser me abre espaço, coloca em contato com outros códigos, sem decifração, mas belamente articulados sob o olhar que não compreende o que vê.
tudo que eu não sou me faz imortal, infinita, perene, real.

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i am not all i have. i also have my own absence, the silence from outer space, and closed eyes, when eyes see they can close. besides what i am there is the possibility of not being me, which allows me certain peace, a subtle wrap-up for my thoughts, breaks of half-light under intense light or darkness. not being me makes room, puts me in contact with codes other, undecipherable, though beautifully articulated under my alienated gaze.
all i fail to be makes me imortal, endless, perennial, real.

domingo, 25 de setembro de 2011

Sinais divinos - Divine signs

O mendigo se aproxima, temeroso, do santuário vazio. Ele faz as reverências que sabe e se prostra, na expectativa não de falar com Deus, mas de ouvi-lo. Espera. E enquanto os pássaros cantam aqui e ali, e se fazem ouvir os ruídos da humanidade mais além, o mendigo sente. Se o silêncio fosse total, Deus estaria mudo.


A beggar approaches the empty sanctuary in fear. He shows reverence in his own way, and kneels as he expects not to speak to God, but to hear Him. A feeling overwhelms him while birds sing here and there and the noises of manking are made audible from a distance. If all was silence, God would be dumb.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O poder da troca

O menino que ouvia o fundo das palavras sabia sempre que música tocava na alma de quem falava com ele. Se triste, encantada, amaldiçoada ou vazia, cada alma se revelava para ele com a clareza do que não se diz e se sente. Todos os sentimentos eram dele à medida que as palavras eram ditas. Ele se perdia odiando, amando, afagando e sofrendo ao conversar. E tanto ouviu e sentiu que calou para sempre. Não por desgosto, mas por plenitude.

(em silêncio, converso muito com este menino)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Previsão

No País onde Todos Dormiam, acordar doía muito. Era preciso um esforço extremo para abrir os olhos, quase como se fazê-lo fosse o sonho mais temido, e o pesadelo mais paralizante. No País onde Todos Dormiam, quem conseguisse, por fim, despertar, tinha de combater as próprias pálpebras, que insistiam em fechar. Tinha de enfrentar a moleza nos braços e nas pernas, a vontade horizontal aguda, o engano do cansaço de descanso infinito. E quem conseguisse, afinal, manter os olhos abertos, precisava lembrar bem dos seus sonhos para, desperto, ter onde ir. Pois a única coisa boa nesse País é que ele não tinha fronteiras.

domingo, 3 de julho de 2011

Além - Beyond

Tirei calmamente as mãos do bolso e com elas esfreguei até esmigalhar a flor que você me deu. Depois senti o cheiro nas palmas e vi as migalhas das pétalas, tão impermanentes, espalhadas no chão à minha frente. Eu não tinha lágrimas, nem sorrisos. Mas os fatos.

***

I took my hands off my pockets slowly and rubbed the flower you gave me. To pieces. Then I smelled my palms and saw the crumbs, all so impermanent, scattered on the ground in front of me.
No tears, not a smile, but the facts.